Era uma escola pública da capital. A maioria dos
alunos era proveniente de famílias pobres. A rigidez do professor impunha medo
aos meninos, que procuravam se comportar bem, com medo dos castigos. Esses
castigos iam desde a perda do recreio, até a permanência de joelhos, no fim da
sala, até o término da aula. Havia ainda a suspensão, quando a falta era muito
grave. Isso tudo implicava na baixa de pontos no comportamento, que manchava o
boletim mensal. O professor era um verdadeiro terror, e os meninos tremiam
diante dele, quando eram chamados à atenção.
Num certo dia, apareceu uma vidraça quebrada, no
colégio.
O professor reuniu os alunos na sala de aula e
ordenou que o culpado se apresentasse. Fez-se um silêncio absoluto. Ninguém se
acusava. Os alunos tremiam de medo. O professor repetiu a ordem, com energia.
Foi então que o menor aluno da classe, o mais magrinho, o mais obediente, o
mais comportado, o mais pobre, o mais triste, afastou os companheiros que
estavam à sua frente, deu um passo adiante e falou, desconfiado, olhando para o
chão:
- Fui eu, professor!…Quem quebrou a
vidraça fui eu!
O professor, surpreso e contrariado, respondeu:
- Pois você, agora, ficará ajoelhado até
o final da aula, e não irá para o recreio durante três dias! O castigo é para que
você aprenda a se comportar!
Em seguida, o mestre continuou a aula, e os alunos
se fecharam no mais profundo silêncio. Só se ouvia a voz grave do professor e o
ruído compassado do pêndulo do relógio da parede. A grande sala de aula
refletia a tristeza dos alunos. Havia no rosto de todos os meninos uma mistura
de medo e piedade.
De repente, um soluço abafado despertou a atenção
da classe. O professor olhou para a carteira onde o aluno chorava e falou:
- Levante-se, Luciano! Por que está
chorando? O que foi que houve?
E o aluno, soluçando, respondeu:
- Professor, fui eu quem quebrou o
vidro da janela! Não foi Marcos!
O mestre fechou o livro que tinha sob os olhos,
tirou os óculos e perguntou, com voz mais branda:
- Então, por que deixou seu colega ser repreendido
e castigado? Ele está ali de joelhos e sem direito a ir para o recreio durante
três dias!
Como o menino não desse logo a resposta, o
professor virou-se para o outro, que estava de castigo, e disse em voz alta:
- Marcos, levante-se e venha aqui para
frente se explicar! Por que você se acusou de um ato que não cometeu? Por que
aceitou ser castigado, sem ter praticado qualquer falta?!
Marcos, o menino mais pobre da classe, o menor da
turma, o mais triste e o mais comportado, disfarçou, fingindo abotoar a camisa,
e, gaguejando, respondeu:
- Eu venho pra escola sem comer… não
tenho pai… Minha mãe trabalha na fábrica… ganha pouco… O pão não dá pra
todos… não dá pra eu trazer merenda… Então, todos os dias, Luciano divide o
lanche dele comigo… ele me dá pão com queijo… Eu sempre disse a ele que um dia
eu havia de pagar esse lanche, que mata a minha fome e faz passar a minha dor
de cabeça… O dia foi hoje…
E o menino disparou num choro compulsivo.
Ouvia-se na classe o choro alto dos dois alunos.
O austero professor, visivelmente comovido,
suspendeu a aula. Com a voz embargada, disse para a classe que a
lição daquele dia foi aquele belo exemplo de coleguismo e de gratidão. O velho
mestre compreendeu perfeitamente o gesto dos dois alunos, e isso lhe
trouxe lágrimas aos olhos.
Os alunos também se emocionaram com a bondade de
Luciano e com a gratidão de Marcos.
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